Foto: Divulgação
14/03/2025, sexta-feira
Joeliton Vargas Moraes, empreendedor indígena do povo Kokama, desenvolveu uma plataforma que une tradição e tecnologia para garantir rastreabilidade e retorno financeiro justo aos artesãos.
Desde curumim, Joeliton Vargas Moraes, 26, queria empreender e abrir uma loja. Índigena pertencente ao povo Kokama, que habita o alto e o médio Solimões, no Amazonas, ele está por trás da startup IKABEN, que deseja implementar blockchain para proteger a propriedade intelectual dos grafismos indígenas e garantir o repasse financeiro justo para as comunidades.
A IKABEN foi uma das selecionadas na quinta edição do edital Elos da Amazônia – Empreendedorismo Científico Indígena, realizado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Programa Prioritário de Bioeconomia, Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e Instituto de Desenvolvimento Tecnológico (INDT), com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
"Esses editais são primordiais porque abrem portas para um novo mercado que, historicamente, nos exclui ou nos coloca como parte do passado. A nossa cultura e a nossa herança estão vivas, sendo reinventadas por quem vive aqui. O grande desafio não é a falta de talentos ou ideias, mas a falta de recursos e rede de apoio", declara Moraes.
Ele ingressou na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) em 2017 para cursar Administração de Empresas, mas a pandemia interrompeu as aulas. Moraes então voltou para o seu município, São Paulo de Oliveira, e passou lecionar para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. Por dois anos, ele ensinou português, matemática, ciências e geografia, mas também aprendeu muito.
"Ensinar me proporcionou aprender sobre a dificuldade do meu povo, ver os costumes sendo esquecidos. Conheci a realidade das comunidades e como não temos uma catalogação de uma cultura milenar, dos nossos grafismos. Essa experiência mudou a minha visão", relembra.
Ao retornar para a faculdade, em 2023, ele cursou a disciplina de empreendedorismo. Nessa época, vendia bonés que comprava na capital Manaus (AM) para a sua comunidade, e quando o professor apresentou o desafio de criar um negócio, ele inicialmente replicou a ideia. Foi o mestre que o instigou: "por que não criar algo que valorize a sua região?".
"Eu pertencia àquele povo e não sabia como ajudar. Olhava de forma diferente, meu objetivo era levar produtos bons para os meus parentes, mas eu fazia de forma errada. Ao invés de captar recursos para eles, eu estava enviando o dinheiro para fora da comunidade", pontua.
Moraes passou a noite pesquisando até que decidiu que usaria a moda como ferramenta para contar a história do seu povo. "Encontrei empresas que utilizam da arte indígena em produtos comercializados em lojas internacionais, mas o povo detentor da cultura não é valorizado, nem reconhecido, por remuneração direta. Refleti muito e decidi dar um basta na apropriação cultural que sofremos há milênios", afirma. O negócio foi desenvolvido dentro da sala de aula, com o auxílio do professor. Até então, o indígena nunca tinha ouvido falar sobre startups.
A IKABEN surgiu inicialmente em 2023 como uma loja de roupas com grafismos do povo Kambeba, com vendas online. Agora, com o apoio do cheque de R$ 1 milhão do edital, a startup irá acelerar a implementação da tecnologia blockchain para garantir a rastreabilidade e a autenticidade de peças que podem ser vendidas pela própria startup, por meio de uma plataforma, ou outras lojas.Cada peça receberá um registro único digital, contendo nome do artesão, local de produção, materiais utilizados e significado cultural da arte. O processo também visa garantir que o produtor seja recompensado financeiramente, com 15% repassados para a comunidade.
De acordo com Moraes, a ideia é construir junto com os artistas, visitando as comunidades para apresentar a startup de forma a facilitar o processo de entendimento de cada povo, com sua língua e cultura própria, e auxiliar no cadastro dos artesãos.
"Agora temos um caminho claro para seguir. Vamos expandir nossa coleção, trabalhar no desenvolvimento da tecnologia e criar mais oportunidades para que artistas indígenas se conectem ao mercado de forma justa", conclui.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios
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